Artigo de Dra. Christina Koller

Discurso de Christina Koller 

 Christina Koller é doutorada em sociologia e pedagogia, tendo a sua tese de doutoramento sido subordinada ao tema “Utilização dos sons em áreas de trabalho pedagógicas, partindo do exemplo da pedagogia do som segundo Peter Hess”.

 História da cura pelo som 

De alguns anos a esta parte, tem vindo a registar-se um aumento exponencial da oferta no que se refere à utilização dos sons – concertos, meditações, auto-experiência, workshops, ações de formação. À primeira vista, parece tratar-se de uma área nova, mas uma análise mais atenta da temática depressa revela que a utilização dos sons para fins curativos remonta a uma tradição antiquíssima – a nível mundial. Os sons e a música são parte integrante da cultura humana. Mitos de criação, contos e lendas de todo o mundo relacionam a música e o som com as forças criadoras.

 A música, os sons e os ritmos têm desempenhado funções específicas em quase todas as culturas, ocupando desde sempre um lugar cativo nas cerimónias religiosas e sociais. Cada cultura deste mundo tem a sua música própria, com os seus instrumentos e sons próprios. O tratamento de doentes por meio da música está presente em quase todas as culturas mundiais, aplicando-se tanto ao sofrimento físico como espiritual.

 Os mais antigos testemunhos documentados sobre a utilização terapêutica da música – pinturas rupestres do Zimbabué – indicam que os sons já eram utilizados para fins curativos há mais de 26.000 anos. Cerca de 4000 a.C., os médicos sacerdotes egípcios utilizavam música exorcista no tratamento de enfermos. Na antiguidade grega, Platão defendia que a melodia e o ritmo eram capazes de restabelecer a ordem e harmonia internas da alma. Na China, imperava a noção de que a música, a par do seu efeito terapêutico, tinha igualmente influência no desenvolvimento da moral. Na tradição ocidental, Johannes Kepler expôs na sua Weltharmonik (1619) as relações existentes entre a sociedade e a música.

 Desde a criação das primeiras clínicas psiquiátricas, por volta de 1800, que a música é utilizada entre nós para fins de abstracção, sedação ou estimulação. Desde há 20 anos, a  moderna terapia musical tem vindo a ocupar-se cada vez mais da utilização dos sons. Foi a partir daqui que se desenvolveu a disciplina da “Terapia do Som” – um dos inúmeros conceitos de terapia musical. 

Na área da terapia musical, mais precisamente da “MusikMedizin” (medicina através da música) como disciplina da terapia musical funcional, tem vindo a lume um número crescente de resultados cientificamente comprovados do emprego da música, e recentemente também da utilização dos sons ricos em harmónicos.

 Distinção entre som e música  

Os conceitos “som” e “música” são reiteradamente empregues em paralelo no que se refere às teses sobre o seu efeito. Isso deve-se, por um lado, ao facto de o som ser imanente à música, mas sobretudo à existência, até aqui, de muito pouca investigação incidindo explicitamente sobre o efeito dos sons ricos em harmónicos. Para todos aqueles que trabalham com a massagem de som e técnicas similares, é importante distinguir entre som e música. 

O som é, a par do ritmo e da melodia, um componente elementar da música. Um som define-se através dos parâmetros volume, altura, timbre e pressão acústica. Conforme a composição das frequências, ou seja, a relação entre a fundamental e os seus  harmónicos[1], haverá que distinguir entre um tom puro (tom sinusoidal), um som e um ruído. O tom sinusoidal praticamente nunca ocorre na natureza. Falamos de som, por oposição a ruído, apenas quando a relação entre o tom base e os harmónicos é um número inteiro.

Os sons  constituem uma parte da música, mas são mais primitivos, mais arcaicos que a música – já existiam sons muito antes de o ser humano ter começado a criar música. Uma das particularidades dos sons é a sua simplicidade, que não deve ser entendida no sentido de banalidade mas no sentido do princípio de que “Menos é Mais”. O som induz a redução ao Pouco, ao Simples, induz a calma e o silêncio. A cessação do som e a sua escuta atenta assumem aqui um lugar central.

 Na nossa sociedade, somos permanentemente inundados de estímulos em todos os planos dos sentidos – sobretudo estímulos acústicos e visuais. A música rica em harmónicos representa para o espírito intelectualizante a cessação dos pensamentos circulares através da privação dos estímulos, podendo ver-se aí um paralelo com as diversas formas de meditação. 

A meditação induz o relaxamento e o relaxamento conduz comprovadamente à dissipação do stress, influindo também positivamente na manutenção da saúde física e psíquica. 

Na sala de som, é possível envolver-se, soltar-se e escutar.  No envolvimento com o som, o ser humano retoma o contacto consigo mesmo e com as suas necessidades, tem a possibilidade de ver as coisas claramente.

Na ressonância e dissipação, na repetição e multiplicidade dos harmónicos, o som manifesta-se – o som existe por si mesmo. A simplicidade dos instrumentos arcaicos oferece uma qualidade particular que desafia a fantasia, que convida a escutar, experimentar, sonhar, criar. A simplicidade oferece, além do mais, uma nova abordagem aos sons, não através do intelecto, mas directamente através do corpo, do ouvir, do sentir, do ver, do saborear, etc. – os sons incentivam a percepção integral. Esta apreensão dos sons pelos sentidos transpõe as fronteiras da qualificação como “musical” ou “não musical” – o som em si não é valorável – e aqui reside uma vantagem específica por oposição à música.

No trabalho com os sons, o indivíduo é abordado no seu todo, ele sente-se e conhece-se em todos os planos – corporal, espiritual e anímico. Ao sentir é possível reconhecer, ao reconhecer é possível soltar-se e entregar-se. E estes são os pressupostos da cura no sentido integral. Talvez resida aqui também o segredo de muitas pessoas se sentirem tão fortemente tocadas pelos sons – porque voltam a sentir a relação com a sua integralidade perdida. Nada Brahma – o mundo é som   Ritmo e ressonância – elo de ligação entre o ser humano e o som   

Tal como se lê no título de um dos livros de Joachim Ernst Berendt: Nada Brahma – o mundo é som. O som é vibração e desde a década de 70 do séc. XX, na física de partículas e na mecânica quântica, parte-se do princípio de que um objecto pode ser descrito como uma onda ou partícula vibratória. 

Do ponto de vista físico, o som é uma vibração, um sinal transmitido por ondas acústicas.  Se o som é vibração e toda a matéria é vibração, então o mundo é som. 

Cada vibração tem o seu ritmo próprio. O ritmo representa a energia básica do cosmo, é um princípio primitivo. O ritmo ordena o tempo em partes inteligíveis. No corpo humano e na natureza tudo é determinado por ritmos, por periodicidades, por regularidades. Só falamos de som quando uma vibração é rítmica; se não for, estamos perante um ruído. Cada som tem, por conseguinte, o seu ritmo próprio. Enquanto princípio ordenador da vida, os ritmos unem a natureza do cosmo à natureza do ser humano. 

Cada pessoa tem o seu som próprio. Somos capazes, por exemplo, de reconhecer alguém pela voz, pelo riso ou pelo ritmo do seu andar. Mas, para além destes sons audíveis, existem no ser humano outros sons ou vibrações mais silenciosos, não directamente percepcionáveis.  

A par dos sons que o ser humano produz, soa também o corpo, cada órgão, cada célula. Em 2004, cientistas da Universidade da Califórnia, Los angeles, tornaram o som das células audível. As investigações revelaram que as células sãs produzem sons harmoniosos, ao passo que as células cancerosas soam desarmónicas. Esta nova disciplina, com a designação “Sonocitologia”, ocupa-se agora em investigar se as doenças poderão ser reconhecidas pelo som.

 Na medicina védica, desde sempre se praticou o “diagnóstico pelo som”, chamemos-lhe assim. O ritmo do pulso fornece ao médico informações sobre o estado de saúde do doente.

 O próprio ser humano pode ser encarado como um sistema que vibra e soa, sistema esse que pode ser influenciado pelos sons através do fenómeno da ressonância. 

A ressonância pode igualmente ser considerada como um fenómeno central, senão mesmo o mais importante, no trabalho com os sons.

Ressonância significa literalmente voltar a soar, responder soando em conjunto. Na linguagem musical, ressonância é o fenómeno através do qual os corpos vibram simultaneamente e que é desencadeado por uma fonte sonora.

 Mas a ressonância não é apenas um fenómeno musical, ela constitui também um fenómeno físico básico. Na física, a ressonância consiste na acção recíproca entre as vibrações (e por conseguinte os ritmos) e na sua sobreposição. Durante esse processo, as vibrações podem estimular-se e fortalecer-se mutuamente ou atenuar-se e extinguir-se. 

Friedrich Cramer, ex-director do Instituto Max Planck de Medicina Experimental, em Göttingen, refere no seu livro “Symphonie des Lebendigen” (1998): “A ressonância é aquilo que conserva o universo intacto no seu âmago”.

 Com base na sua discussão em torno da tentativa de uma teoria geral da ressonância, ele resume o conceito de ressonância como a possibilidade de “criar e conservar a coesão do mundo”.  

 Mas os fenómenos de ressonância ocorrem não só no plano material como também no plano emocional, o que se reflecte igualmente na nossa linguagem quando dizemos que “estamos na mesma onda” que outra pessoa ou que algo “nos toca” (desencadeia em nós uma ressonância). 

A terapeuta musical Barbara Gindl, no seu livro “Anklang” (2002), distingue entre ressonância física e psicológica e explora exaustivamente o conceito de ressonância emocional. 

Ritmos, ciclos, periodicidades determinam a vida humana desde o começo. O organismo humano é uma combinação de inúmeros biorritmos com determinadas frequências próprias, que só funciona bem quando todas as vibrações estão em ressonância umas com as outras, soam em harmonia umas com as outras. 

A saúde é, por conseguinte, a capacidade do organismo para a ressonância dinâmica e rítmica. Pelo contrário, a doença é uma perturbação da ressonância corporal entre os diversos sistemas, que é muito evidente nas irregularidades da frequência cardíaca, nas perturbações do sono ou nas oscilações da tensão arterial.

 Perante uma patologia ou uma indisposição, trata-se de fazer com que as várias vibrações corporais comecem de novo a vibrar harmoniosamente entre si.

 Este é um ponto de partida central para a eficácia da massagem de som. As vibrações harmoniosas da taça têm um efeito positivo nos ritmos do corpo humano, ajudam-no a reencontrar a sua harmonia – intervindo aqui a tendência natural do corpo humano para a harmonização. O efeito positivo da massagem de som deriva das forças de auto-cura do ser humano. O som como prevenção parece, por isso, fazer todo o sentido!

Porém, a influência exercida pelos sons nos ritmos corporais não ocorre apenas no plano da estrutura temporal desse sistema complexo de vibrações que é o ser humano, mas também no plano espacial – através das estruturas ocas do corpo humano que actuam, em princípio, como corpos de ressonância ou ressonadores. ­O efeito dos sons Essenciais para se compreender o efeito dos sons são a percepção e o processamento dos mesmos. 

Estes processos ocorrem, por um lado, através da captação do som como sinal acústico e, por outro, através da sua percepção como vibração física que toca o nosso corpo. Ou seja, são transmitidos ao cérebro, por um lado, os impulsos acústicos percepcionados através do ouvido e, por outro, a vibração percepcionada através das centenas de milhar de receptores térmicos e tácteis da pele.

Os vários sinais percepcionados são processados no cérebro por meio de mecanismos altamente complexos, desencadeando por sua vez reacções em diversos planos que se manifestam através de processos de ressonância corporal nos planos neuromuscular, fisiológico, fisiológico cerebral e vegetativo. 

O efeito dos sons é sempre muito complexo. Para uma melhor compreensão, poderemos dividi-lo de acordo com a sua incidência nos vários planos. Com base em pesquisas intensivas na literatura e na Internet sobre a situação actual da investigação no que se refere às teses existentes sobre o efeito dos sons (e da música), é possível reunir as seguintes noções:

No plano corporal os sons actuam sobre os sentidos do ouvido e do tacto. O órgão do ouvido e, consequentemente, a audição desempenham um papel central na composição do ser humano. Os sentidos da audição e do tacto são, do ponto de vista ontogenético, os primeiros sentidos funcionais – ainda no ventre materno. 

Os sons têm um efeito relaxante e dissipador do stress e da angústia, apoiando igualmente a tendência natural do organismo para a harmonização. Os sons influenciam de forma positiva a mobilização das forças de auto-cura, contribuindo assim para manter a saúde. Além disso, através do estímulo vibracional (no contacto directo), os sons estimulam o corpo e o cérebro. Estes efeitos são sobretudo utilizados na “MusikMedizin”, por exemplo, ao recorrer-se à música na anestesia ou na terapia da dor. 

No plano neuronal os sons podem ser utilizados objectivamente para influenciar as ondas cerebrais, suscitando reacções neurofisiológicas como, por exemplo, a expansão dos neurotransmissores. Os sons estimulam a reorganização das ligações neuronais, sendo este processo utilizado com sucesso na reabilitação dos doentes atingidos por acidentes vasculares cerebrais.

 No plano psico-emocional, através do sistema límbico os sons alcançam directamente as emoções, sem serem censurados pela razão, podendo ser empregues com excelentes resultados como meios não verbais de comunicação e expressão. Os instrumentos ricos em harmónicos, como por exemplo as taças e os gongos, lembram fortemente os universos sonoros intra-uterinos e são por isso associados às vivências do período pré-natal (palavra-chave “confiança original”). Os sons favorecem, além do mais, a ressonância emocional como base das relações interpessoais, podendo ainda induzir estados alterados de consciência e possibilitando, consequentemente, o acesso a recursos não aproveitados. Especificamente no domínio da terapia musical existem vários conceitos assentes nestes efeitos. 

O efeito dos sons no plano energético-espiritual escapa ao olhar científico mas deve aqui ser mencionado para completar esta exposição. Os sons têm um efeito equilibrante na aura, chacras e sistema de meridianos. No Ayurveda e na medicina chinesa este conhecimento encontra aplicação há milhares de anos. Os sons estão em estreita relação com os rituais e incitam a ouvir, a escutar e a prestar atenção – ouvir para dentro. Talvez por isso a música e os sons assumam um papel de relevo em quase todas as religiões do mundo. 

No geral, poder-se-á dizer que o efeito dos sons não tem nada a ver com o “acreditar” – em qualquer dos casos, não mais do que noutros métodos (atente-se na moderna investigação do efeito placebo).

 Precisamente pela sua facilidade de utilização, a massagem de som segundo Peter Hess® parece ser o contributo ideal para a manutenção da saúde. Autonomamente ou como complemento, pode contribuir também para o processo de cura. As inúmeras experiências dos utilizadores da área da saúde falam por si. 


   [1] Cada som musical é constituído por um tom base e vários tons secundários, os harmónicos, que soam automaticamente ao mesmo tempo, em virtude de vibrarem em simultâneo. Isto é fácil de demonstrar  recorrendo ao exemplo duma corda de guitarra. Se a fizermos vibrar em todo o seu comprimento, o que se ouve é o tom base. Mas a par deste, ressoa também o tom que surgiria se dividíssemos a corda ao meio. Ouvir-se-ão ainda os tons que seriam produzidos se dividíssemos a corda em três, em quatro, etc. Os harmónicos são, tal como o tom base, “tons verdadeiros” , sendo que, na nossa cultura musical,  os tons base são produzidos conscientemente, ao passo que os harmónicos surgem, por assim dizer, automaticamente, e na realidade não podem ser percepcionados isoladamente. Definem, antes, o timbre de um instrumento.